(2014) A todo vapor
Dançarina, cantora e atriz, Simone Gutierrez adora uma boa gargalhada. Afinal, uma de suas maiores motivações é o riso. Dela mesma e dos outros. A veia cômica está no sangue: pai, mãe, irmã... todos engraçadíssimos, segundo ela. De família interiorana, Simone não teve dúvidas ao trocar a calmaria de Ribeirão Preto, onde se formou bailarina, pelos desvarios de São Paulo: “Quando se é artista parece que tudo vai ficando pequeno e que você precisa de novos desafios”, filosofa. Na maior metrópole do país, a jovem dançarina encontrou muitos deles e descobriu não só os musicais como também a aptidão para cantar e atuar.
No ar em Joia Rara, novela de Thelma Guedes e Duca Rachid, exibida pela TV Globo, Simone tem, pela primeira vez, a oportunidade de mostrar na tevê a sua versatilidade como artista. Na pele de Serena Fox, ela dá um show em canto e dança no cabaré Pacheco Leão e ao lado de atrizes como Mariana Ximenes e Fabíula Nascimento. “Esse papel vai ser o divisor de águas da minha carreira na televisão, como foi a Tracy (Hairspray) no teatro.”
A dedicação na telinha segue também nos palcos, onde Simone está em cartaz até novembro, no teatro do MuBE (Museu Brasileiro da Escultura), em São Paulo, com a peça Aípod, sua primeira experiência como produtora. Workaholic assumida, ela concedeu à Revista MRV uma entrevista divertida e sincera, numa das mesas do charmoso café do teatro, bem pertinho do palco, como não poderia deixar de ser.
Revista MRV: Quando foi o seu primeiro contato com o universo das artes? Simone Gutierrez: Eu faço balé desde os três anos de idade. A minha formação é em dança. Sou bailarina, coreógrafa e faço também jazz e sapateado. Então, sou artista desde que eu me conheço por gente.
E a vontade de atuar, como surgiu? Entrei nesse universo por causa da dança, porque tem sempre os personagens dos grandes balés. Minha escola mesmo foram os musicais aqui em São Paulo. Quando saí de Ribeirão para vir para cá trabalhar com dança, comecei a fazer musicais, mesmo sem cantar ou atuar. Eu só dançava.
Por que não seguiu carreira de dançarina? Ribeirão Preto é uma cidade em que, para esse universo, ou eu seria dona de uma escola de dança ou eu seria coreógrafa. Meu sonho era sair daquele mundo e ir atrás de algo maior. Eu falo que o próximo passo agora é, sei lá, fazer um musical em Nova Iorque (risos). Quando você é artista parece que tudo vai ficando pequeno e você precisa de novos desafios. Eu sempre fazia cursos em São Paulo e a minha vontade era de entrar em uma companhia de dança aqui, mas eu nunca tive físico, né? Eu sempre fui a baixinha, gordinha, que era boa no balé (risos).
E como a dança contribuiu para a sua formação de atriz? Ela foi fundamental. Influenciou muito. Quando você tem consciência corporal tudo fica mais fácil. Se você tem domínio do seu corpo, você consegue prestar atenção na sua voz e consegue dar vida a um personagem. E hoje, se você quer se destacar em um musical, é preciso cantar, dançar e interpretar muito bem. Como comecei a dançar desde criança, para mim é menos difícil do que, por exemplo, para uma pessoa já mais velha que precisa aprender agora a trabalhar a musculatura.
Você encontrou dificuldades para fazer teatro no começo da carreira? Cantar foi mais difícil porque eu não tinha técnica. Eu era afinada, mas eu não tinha a técnica que os protagonistas precisam. Eu era meio autodidata, eu observava, perguntava para o maestro como fazia. Estudava sozinha e assim eu fui fazendo a minha voz.
Você começou no teatro em 2001 com Os Miseráveis... Foi o meu primeiro musical profissional. Eu fiz coro e era substituta de Madame Thernadier. Fazia vários papéis. O Les Mises é um musical muito específico, todo cantado. Foi uma experiência muito bacana porque eu entrei naquele musical que a gente vê nos filmes, sabe? Eu ainda não tinha o canto seguro, não tinha feito aula e ia muito pelo lance de ser atirada e não ter medo de fazer. Ali foi a minha grande escola. Em seguida eu fiz A Bela e a Fera, a primeira versão que veio para o Brasil, e depois fiz alguns musicais menores. Logo depois veio o Hairspray, um divisor de águas na minha carreira. Foi com esse espetáculo que as pessoas conheceram o meu trabalho.
Como a Tracy, no musical Hairspray, você foi elogiada não só pela sua atuação, mas por ter aceitado engordar 20 quilos para fazer o papel... O engraçado é que eu tinha acabado de emagrecer! E eu sofria exatamente isso: eu era superapta a fazer as personagens, mas nunca pegava porque estava acima do peso ou era baixinha demais. Já cheguei a ouvir que eu era branca demais para fazer um papel que era de uma personagem japonesa (risos). Mas eu sabia que era pelo peso, porque tinha muito esse preconceito. Quando chegou o Hairspray, eu falei: “Se eu não fizer esse personagem, ninguém vai conhecer meu trabalho.” Tanto que quando eu fiquei mais conhecida, as pessoas ficavam passadas: “De onde surgiu essa menina?”. E eu já estava há dez anos fazendo musical! Não foi o meu primeiro trabalho, mas para o grande público foi. Por outro lado, foi muito legal ter feito depois de tudo isso, porque eu fiz muito mais madura.
E como foi a preparação para esse papel? Eu tive que engordar 20 quilos para fazer o espetáculo, porque a exigência básica era que a personagem principal fosse gorda mesmo. Ela não podia ter enchimento, como o Edson Celulari teve. Eu falo que depois de fazer Hairspray faço qualquer outro musical, porque eram 2h30 de espetáculo pulando e eu não saía de cena. Eu trocava de roupa em 40 segundos, dentro do palco! E eu não tinha substituta. Eu corria na esteira para aguentar 2h30 de espetáculo, mas ao mesmo tempo eu não podia parar de comer, porque tinha que ser gorda. Foi muito intenso, um espetáculo que é para o resto da vida.
E as novelas, como surgiram? Depois do Hairspray foram surgindo os convites para televisão. O Silvio de Abreu foi assistir à peça e me pediu para fazer Passione, meu primeiro papel grande na televisão. Eu já tinha feito participação em Malhação, fiz um quadro no Zorra Total, mas Passione foi escrita para mim. Ele queria que eu fizessse. E foram 122 capítulos sem falar! Agora, imagine para uma atriz que canta e atua, ficar 122 capítulos sem falar nada, só nas caras e bocas (risos). Mas foi muito legal, porque até hoje as pessoas se lembram da Lurdinha: “Ah, você é aquela secretária que dançava com o Mimi...”
Atualmente você interpreta uma vedete em Joia Rara, novela da TV Globo. Mais uma vez você tem a oportunidade de cantar, dançar e atuar... A Serena Fox é bem parecida com a Tracy, porque ela é a gordinha do cabaré, só que com uma autoestima alta. Ela defende mesmo essa classe. Artisticamente, dentro do cabaré, é a melhor, só que ela não tem o estereótipo que o dono do cabaré quer. Tudo que ele pede para as meninas do cabaré fazerem, elas fazem bem, mas quem faz bem pra caramba é ela. Ela se coloca pelo talento. Eles têm que engolir a gordinha no cabaré, porque ela faz a diferença na hora de fazer um número, uma apresentação. Esse papel vai ser o divisor de águas da minha carreira na televisão, como foi a Tracy no teatro.
Qual a principal mensagem que essa personagem pode transmitir? Que não existem pessoas melhores ou piores. O bom é o ser humano, na peculiaridade dele. A mensagem é exatamente essa: se você é feliz com o que você é, não tem obstáculo. Não adianta a pessoa chegar para você e falar “Você é feia, você é gorda, você é ruim”, porque se você se sente bem, se você acha que como ser humano você acrescenta alguma coisa, não tem o que derrube você, entendeu? O lance é a autoestima mesmo, é aceitação.
E como é para você essa questão dos padrões de beleza? Para mim o importante é se preocupar com saúde. Minha família toda é baixinha, gordinha... Eu tenho 1,50m. Se eu engordo dois quilos parece que eu engordei dez. Mas eu sou uma pessoa saudável. Eu faço cinco sessões de espetáculo por dia e não fico doente. Eu busco controlar a alimentação durante a semana. Mas se eu tenho vontade de comer uma coisa ou vou a uma festa, eu não vou ficar olhando todo mundo comer o bolo sem comer um pedaço. Não sofro com isso. Mas óbvio, sou mulher, às vezes a gente se olha no espelho, e pensa: “Poxa, adoraria por um biquíni”. Se eu não posso por um biquíni, coloco um maiô e vou ser feliz, vou para a praia do mesmo jeito.
Atualmente, você está em cartaz com a peça Aípod. Você definiu o espetáculo como uma “vídeomusicomédia”. O que isso quer dizer? O Aípod é diferente de tudo que está em cartaz. As pessoas chegam aqui achando que é uma peça e não é uma peça. Elas chegam aqui achando que é um show de uma banda e não é um show. É tudo junto e misturado, porque é entretenimento. É quase um stand up musical. Existe uma rádio e os quadros dessa rádio são o “Fala que eu te esmurro”, as “Mais mais idênticas”, o “Teletonto”... São dois locutores: ela é superpilhada e ele é supercertinho. Hoje, o Aípod já está na terceira versão e experimentamos muito para que ele alcançasse a maturidade que tem hoje. E é superatemporal, porque a gente pode mudar a qualquer momento. Pode colocar a música que a gente quiser, falar sobre o assunto que quisermos...
Então é um espetáculo que vai mudando de acordo com o que está em pauta? Ele é supercíclico. Ao mesmo tempo que você dá risada, tem um momento do espetáculo que você para e se emociona, porque as piadas são muito sutis, uma crítica ao que está tocando nas rádios. No quadro das “Mais mais idênticas”, por exemplo, a gente faz 51 músicas em seis minutos, todas com o mesmo acorde, da Lady Gaga ao Tom Jobim. Brincamos muito com essa coisa de fazer a pessoa parar para pensar. Tem um quadro em que a gente transforma um sertanejo universitário em um sertanejo pós-graduado, o camaro amarelo vira o Rolls Royce dourado. É essa brincadeira. E o que é legal é que as pessoas sempre saem falando: “Nossa! Saí bem melhor do que eu entrei. Dei muita risada, chorei, me emocionei”. É muito legal!
Vocês vão levar a peça para outras cidades? É o meu sonho. Estamos entrando agora em outra lei para conseguir captar um patrocínio maior. Eu quero levar para as grandes capitais e quero fazer uma temporada no Rio, logo depois da novela.
Existe alguma peça ou autor que você gostaria muito de trabalhar? Eu já trabalhei com muita gente legal. No teatro musical eu tenho um sonho, que é fazer a bruxa Elphaba, do Wicked. Eu acho que posso fazer até porque não vou precisar nem colocar moldura no meu nariz! (risos) Ela tem essa coisa de ser uma protagonista séria, mas ao mesmo tempo, que brinca. Tenho também vontade de fazer um personagem mais dramático no teatro, que me instigasse muito a fazer.
Sair da zona de conforto... Exatamente. De ser um desafio mesmo. Não de um personagem específico, mas que fosse fora dessa minha zona de conforto que é a comédia.
Algum desejo ainda não realizado, profissional ou pessoalmente? Eu comecei este ano a produzir, que era uma das minhas maiores vontades. Eu tenho muita vontade também de gravar um CD com músicas próprias, nem que seja só para mim. Além de continuar trabalhando, levando o teatro para as pessoas, em grandes ou em pequenas produções. Se eu estiver no teatro, está tudo certo. Pessoalmente, eu não penso em casar, ter filhos... Eu sou muito livre, muito independente. Se for para acontecer, vai ser na hora certa. Minha vontade é me estabilizar, ter o meu conforto, estar junto da minha família. E ser feliz, que é o que todo mundo quer, né?
Com tantas vivências no palco, o que você vê de bom e de ruim em fazer teatro no Brasil? Eu não me vejo sem fazer teatro na vida, por mais que seja difícil. Agora eu estou produzindo meu espetáculo. E acho que esse é meu próximo desafio profissional. Eu já estive no coro, como protagonista e agora estou numa produção. O que é mais difícil hoje para fazer teatro é incentivo, patrocínio. Você tem que estar se justificando o tempo todo: quem você é, o que você fez, se você está na televisão, se não está na televisão... Hoje, se você faz teatro e está na televisão é muito mais fácil. Para mim isso é um pouco triste, porque tem muita gente boa que não tem esse acesso, que não teve essa sorte de entrar para a TV e que, por isso, não consegue colocar um espetáculo em cena.
Quais são as principais diferenças entre a TV e o teatro? É muito diferente. Porque teatro é ali, você está dando sua cara para bater, se você errar tem que improvisar. Não tem como voltar. O teatro é muito presente. Televisão é muito difícil também, porque é uma linha de produção. Você trabalha muito, fica um dia para gravar 20 cenas. Mas, se você errou, tem como voltar, fazer de novo, tem essa tranquilidade...
Tem alguma preferência? Eu sou do teatro. Eu amo! É onde você tem contato direto com o público. Quando termina a sessão, você sai, conversa com as pessoas e já tem a resposta.
Pensa em se aventurar pelo cinema? Adoraria. Eu quero fazer tudo, eu sou muito workaholic. Aliás, eu sou muito mais o profissional do que o pessoal. Sou muito caseira, prefiro ficar em casa a ir a uma balada. Adoro trabalhar. É onde eu estou confortável, porque eu sempre fiz o que eu gosto.
Fonte: Revista MRV
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